Poesias Preferidas

Seleção de Poesias

Quando a Ternura for a Única Regra da Manhã – José Luís Peixoto

H. Toulouse-Lautrec painting

(pintura de H. Toulouse-Lautrec)

um dia, quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços. a tua pele será talvez demasiado bela.
e a luz compreenderá a impossível compreensão do amor.
um dia, quando a chuva secar na memória, quando o inverno for
tão distante, quando o frio responder devagar com a voz arrastada
de um velho, estarei contigo e cantarão pássaros no parapeito da
nossa janela. sim, cantarão pássaros, haverá flores, mas nada disso
será culpa minha, porque eu acordarei nos teus braços e não direi
nem uma palavra, nem o principio de uma palavra, para não estragar
a perfeição da felicidade.

José Luís Peixoto

Renda-se à Festa – Sheila Fávaro

Renda-se à festa divina que é esta vida
Dance aos sons da Natureza que é pura fantasia
Espalhe confetes em forma de Esperança,
gentilezas e alegria
Se lance feito serpentina, que se move ao sabor
das idas e vindas
Brinque, pule com os movimentos da vida
Cante canções que a alma te inspire
Dê as mãos aos milagres de todos os dias.

Podemos, sim, viver nossos carnavais
Basta que nos deixemos guiar pela orquestra em
nossos corações, que insiste em fazer folia,
ditando os ritmos da vida,
dia após dia…

Sheila Fávaro

Na sombra das coisas – Adonis

Frédéric Tschaggeny painting

(pintura de Frédéric Tschaggeny)

Gosto de ficar na sombra das coisas
no segredo delas, gosto
de entranhar a criação
de vagar como as ideias
como a arte que se entranha
e, incerto, incauto
renasço a cada dia.

Adonis
Tradução de Michel Sleiman

Tarde na Colina – Edna St. Vincent Millay

A Beautiful Afternoon by Dominique Amendola

(pintura de Dominique Amendola)

Vou ser o que é mais alegre
Sob este sol!
Vou tocar cem flores sem
Colher uma só.

Vou olhar com calma as nuvens
E os montes, ver
A grama curvando ao vento,
Vê-la crescer.

Quando as luzes da cidade
Forem se erguendo,
Vou marcar qual é a minha,
E vou descendo!

Edna St. Vincent Millay
Tradução de Mariana Basílio

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Afternoon on a hill

I will be the gladdest thing
Under the sun!
I will touch a hundred flowers
And not pick one.

I will look at cliffs and clouds
With quiet eyes,
Watch the wind bow down the grass,
And the grass rise.

And when lights begin to show
Up from the town,
I will mark which must be mine,
And then start down!

Edna St. Vincent Millay

A Solidariedade Humana – Nelson Mandela

William-Adolphe_Bouguereau_At_the_Foot_of_the_Cliff_(1886)

(pintura de William Adolphe Bouguereau)

Os valores da solidariedade humana que outrora estimularam a nossa demanda de uma sociedade humana parecem ter sido substituídos, ou estar ameaçados, por um materialismo grosseiro e a procura de fins sociais de gratificação instantânea.

Um dos desafios do nosso tempo, sem ser beato ou moralista, é reinstalar na consciência do nosso povo esse sentido de solidariedade humana, de estarmos no mundo uns para os outros, e por causa e por meio dos outros.

Nelson Mandela, in “Walk to Freedom”

Se Cada Dia Cai – Pablo Neruda

(Fisherman – Oswaldo Torres)

Se cada dia cai,
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda; Últimos Poemas
Tradução de Luiz de Miranda

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Si cada día cae
dentro de cada noche,
hay un pozo
donde la claridad está encerrada.

Hay que sentarse a la orilla
del pozo de la sombra
y pescar luz caída
con paciencia.

Pablo Neruda

Canto XIII – A Noite do Dia de Festa – Giacomo Leopardi

Pintura de Ivan Aivazovsky
(pintura de Ivan Aivazovsky)

Noite sem vento, doce, clara. A lua
Flutua sobre tetos e pomares,
Serena, revelando, ao longe, os montes.
As ruas e os caminhos silenciam,
Minha amada. Pelos balcões, são raros
Os lampiões, um sono suave invade
Os aposentos, você dorme, nada
Perturba o seu repouso, muito menos
A chaga que me abriu dentro do peito!
Mas você dorme, e ao céu de aspecto ameno
— E à antiga natureza onipotente
Que me vota à aflição — dirijo os olhos.
“Para você nem mesmo uma esperança;
Para os seus olhos, só um brilho: lágrimas”,
Ela me disse. Mas que dia magnífico!
Dormem danças e jogos, mas, em sonho
Talvez para você desfilem todos
De quem gostou ou aos quais agradou
(Menos eu, que nesse rol não compareço).
Mas se calculo os dias que me restam,
Vejo-me aos gritos, a rolar na terra:
Que vida horrível numa vida jovem!
Vai pela rua o canto solitário
De quem já trabalhou, passou na tasca,
E volta tarde para a casa pobre.
Vai-me apertando, amargo, o coração,
Se penso em como tudo passa e passa,
Quase sem deixar rastro. Já se foi
O dia de festa, e agora chega o dia
Normal, e tudo se escoa no tempo,
Todos os atos humanos. E o estrondo
Dos antigos, as vozes dos heróis
De ontem, onde estão? e o grande império,
E as armas e o fragor que faz tremer
Os caminhos da terra e do oceano?
Tudo é paz e silêncio. O mundo
Tudo aquieta. Já não se pensa em nada.
Quando criança, vinha a espera ansiosa
Do dia de festa, que findava logo.
Sofrendo, comprimia o travesseiro,
Ao ouvir pela noite aquele canto
Que ia morrendo, aos poucos, lentamente,
Morrendo e me apertando o coração.

Tradução de Décio Pignatari

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La Sera Del Dì Di Festa

Dolce e chiara è la notte e senza vento,
E queta sovra i tetti e in mezzo agli orti
Posa la luna, e di lontan rivela
Serena ogni montagna. O donna mia,
Già tace ogni sentiero, e pei balconi
Rara traluce la notturna lampa:
Tu dormi, che t’accolse agevol sonno
Nelle tue chete stanze; e non ti morde
Cura nessuna; e già non sai nè pensi
Quanta piaga m’apristi in mezzo al petto.
Tu dormi: io questo ciel, che sì benigno
Appare in vista, a salutar m’affaccio,
E l’antica natura onnipossente,
Che mi fece all’affanno. A te la speme
Nego, mi disse, anche la speme; e d’altro
Non brillin gli occhi tuoi se non di pianto.
Questo dì fu solenne: or da’ trastulli
Prendi riposo; e forse ti rimembra
In sogno a quanti oggi piacesti, e quanti
Piacquero a te: non io, non già, ch’io speri,
Al pensier ti ricorro. Intanto io chieggo
Quanto a viver mi resti, e qui per terra
Mi getto, e grido, e fremo. Oh giorni orrendi
In così verde etate! Ahi, per la via
Odo non lunge il solitario canto
Dell’artigian, che riede a tarda notte,
Dopo i sollazzi, al suo povero ostello;
E fieramente mi si stringe il core,
A pensar come tutto al mondo passa,
E quasi orma non lascia. Ecco è fuggito
Il dì festivo, ed al festivo il giorno
Volgar succede, e se ne porta il tempo
Ogni umano accidente. Or dov’è il suono
Di que’ popoli antichi? or dov’è il grido
De’ nostri avi famosi, e il grande impero
Di quella Roma, e l’armi, e il fragorio
Che n’andò per la terra e l’oceano?
Tutto è pace e silenzio, e tutto posa
Il mondo, e più di lor non si ragiona.
Nella mia prima età, quando s’aspetta
Bramosamente il dì festivo, or poscia
Ch’egli era spento, io doloroso, in veglia,
Premea le piume; ed alla tarda notte
Un canto che s’udia per li sentieri
Lontanando morire a poco a poco,
Già similmente mi stringeva il core.

Giacomo Leopardi

Só é Meu o País que Trago Dentro da Alma – Marc Chagall

Acima da Cidade, Marc Chagall

(Acima da Cidade, Marc Chagall)

Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
Ele vê a minha tristeza
E a minha solidão.
Me acalanta.
Me cobre com uma pedra perfumada.

Dentro de mim florescem jardins.
Minhas flores são inventadas.
As ruas me pertencem
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
Instalam-se em minha alma.

Eis porque sorrio
Quando mal brilha o meu sol.
Ou choro
Como uma chuva leve na noite.

Houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
Houve tempo em que essas duas caras
Se cobriam de um orvalho amoroso.
Se fundiam como o perfume de uma rosa.

Hoje em dia me parece
Que até quando recuo
Estou avançando para uma alta portada
Atrás da qual se estendem muralhas
Onde dormem trovões extintos
E relâmpagos partidos.

Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.

Marc Chagall
Tradução de Manuel Bandeira

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Seul est mien le pays qui se trouve dans mon âme

Seul est mien
Le pays qui se trouve dans mon âme
J’y entre sans passeport
Comme chez moi
Il voit ma tristesse
Et ma solitude
Il m’endort
Et me couvre d’une pierre parfumée

En moi fleurissent des jardins
Mes fleurs sont inventées
Les rues m’appartiennent
Mais il n’y a pas de maisons
Elles ont été détruites dès l’enfance
Les habitants vagabondent dans l’air
A la recherche d’un logis
Ils habitent mon âme

Voilà pourquoi je souris
Quand mon soleil brille à peine
Ou je pleure
Comme une légère pluie dans la nuit

Il fut un temps où j’avais deux têtes
Il fut un temps où ces deux visages
Se couvraient d’une rosée amoureuse
Et fondaient comme le parfum d’une rose

A présent il me semble
Que même quand je recule
Je vais en avant
Vers un haut portail
Derrière lequel s’étendent des murs
Où dorment des tonnerres éteints
Et des éclairs brisés

Seul est mien
Le pays qui se trouve dans mon âme

Marc Chagall

Versos Áureos – Gérard de Nerval

Afresco de Rafael Sanzio
Afresco de Rafael Sanzio, Escola de Atenas, Pitágoras e seus discípulos

Mas como! Tudo é sensível!
Pitágoras

Oh! homem pensador, julgas que é em ti somente
Que há a razão neste mundo onde em tudo arfa a vida?
Das forças que tu tens tua vontade é servida,
Mas dos conselhos teus o universo está ausente.

Respeita no animal um espírito agente:
Cada flor é uma alma à natureza erguida;
Um mistério de amor no metal tem guarida;
“Tudo é sensível!” Tudo em teu ser é potente.

Teme, no muro cego, um olho que te espia:
Pois mesmo na matéria um verbo está sepulto…
Não a faças servir a alguma função ímpia!

No ser obscuro às vezes mora um Deus oculto,
E, como olho a nascer por pálpebras coberto,
Nas pedras cresce um puro espírito desperto!

Tradução de Alexei Bueno

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Vers dorés

Eh quoi! tout est sensible.
– Pythagore

Homme! libre penseur! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.

Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
‘Tout est sensible!’ Et tout sur ton être est puissant.

Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
A la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!

Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et, comme un oeil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!

Gérard de Nerval

Bicentenário da Independência

Museu do Ipiranga – São Paulo – Foto de Edilson Dantas

Homenagem da Brasil Jazz Sinfônica e da TV Cultura ao bicentenário da Independência e aos trabalhadores das obras do Novo Museu do Ipiranga, restaurado e reinaugurado no dia 06 de setembro de 2022, após 9 anos fechado para visitação.

O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, também conhecido como Museu do Ipiranga ou Museu Paulista, é o museu público mais antigo da cidade de São Paulo, cuja sede é um monumento-edifício que faz parte do conjunto arquitetônico do Parque da Independência. Saiba mais: https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_do_Ipiranga

Hino da Independência com sons de ferramentas de operários da reforma do Museu do Ipiranga:

O Leão e o Rato – Millôr Fernandes

rato
Depois que o Leão desistiu de comer o rato porque o rato estava com espinho no pé (ou por desprezo, mas dá no mesmo), e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta), os dois, rato e Leão, passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes da floresta (e das fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante vários dias. Disse o Leão:
– Nem um boi. Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors d’oeuvres de uma futura refeição.
Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde estava, lançou um olhar ao rato que o fez estremecer até a medula. “A amizade resistiria à fome?” – pensou ele. E, sem ousar responder à própria pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente do amigo(?) faminto. Sumiu durante muito tempo. Quando voltou, o Leão passeava em círculos, deitando fogo pelas narinas, com ódio da humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, embora não fosse um animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou: – Maravilhoso, amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos! Mas, antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E como tenho receio de não resistir à minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato e confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus próprios e famélicos instintos. Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato para o rato; para o Leão, a parte do Leão.
A expressão ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério:
– Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha, Isso é que se chama justiça.
Quando eu voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos bens que me couberem no litígio com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai se arrepender!
E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos de queijo. E enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam seus fracos pulmões:
– Longa vida ao Rei Leão! Longa vida ao Rei Leão!

MORAL: Os ratos são iguaizinhos aos homens

You Light Up My Life – Debby Boone

So many nights I’d sit by my window
Waiting for someone to sing me his song
So many dreams I kept deep inside me
Alone in the dark but now you’ve come along

And you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

Rollin’ at sea, adrift on the water
Could it be finally I’m turnin’ for home?
Finally a chance to say, “Hey, I love you”
Never again to be all alone

‘Cause you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

‘Cause you, you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

It can’t be wrong
When it feels so right
‘Cause you
You light up my life

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Música composta por Joseph Brooks e originalmente gravada por Kasey Cisyk para a trilha sonora do filme de 1977 com o mesmo título. A versão cover mais conhecida da música é de Debby Boone, filha do cantor Pat Boone. Ela ocupou a posição número 1 na parada Billboard Hot 100 por dez semanas consecutivas em 1977 e liderou o Top 100 Singles Chart da revista Record World por um recorde de 13 semanas. Debby Boone também ganhou o Grammy Award de 1978 de Melhor Artista Revelação, com indicações adicionais ao Grammy de Melhor Performance Vocal Pop Feminina e Gravação do Ano.
LeAnn Rimes lançou sua própria versão em 1997.

Abaixo as duas interpretações:

Tradução:

Por muitas noites eu sento em minha janela
Esperando por alguém para cantar-me sua canção
Tantos sonhos eu guardei profundamente dentro de mim
Sozinha na escuridão, mas agora você chegou

Você ilumina minha vida
Você me dá esperança para continuar
Você ilumina meus dias e enche minhas noites com música

Rolando no mar, à deriva na água
Poderia estar finalmente voltando para casa?
Finalmente, uma chance de dizer “Ei, eu te amo”
Nunca mais ficar totalmente sozinha

Isto não pode estar errado
Quando parece tão certo
Porque Você Você ilumina minha vida

Os Cisnes Selvagens de Coole – William Butler Yeats

Hazy Flight Swans by Paul Makucha

Hazy Flight Swans by Paul Makucha

O arvoredo refulge no esplendor do outono,
Nas veredas do bosque está seco o terreno,
O lago no crepúsculo de outubro
Espelha um céu sereno;
Nas águas, entre as pedras transbordando,
Cinquenta e nove cisnes vão-se em bando.

Já venho aqui por dezenove outonos,
Pelo que pude contar;
Mal terminei, voou o grupo todo
Para no azul se espalhar,
Girando em voltas descontínuas e grandiosas
Com asas clamorosas.

Tenho observado essas brilhantes criaturas,
E sinto no peito uma chaga.
Tudo mudou desde que, ouvindo no crepúsculo
Esse badalo de asa nesta plaga
Pela primeira vez cortar o espaço,
Pisava mais leve o meu passo.

Incansáveis ainda, amante junto a amante,
Remam no frio da amável correnteza
Ou escalam os ares;
Nos corações o tempo não lhes pesa;
Emoção ou conquista, aonde quer que vão,
São sempre o seu quinhão.

Mas agora deslizam na água calma
Com sua beleza e mistério.
Em meio a que caniços construirão?
Junto a que lago serão nosso refrigério,
Quando eu, despertando num aurora,
Notar que se foram embora?

W. B. Yeats
Tradução de Paulo Vizioli

The Wild Swans at Coole

The trees are in their autumn beauty,
The woodland paths are dry,
Under the October twilight the water
Mirrors a still sky;
Upon the brimming water among the stones
Are nine-and-fifty swans.

The nineteenth autumn has come upon me
Since I first made my count;
I saw, before I had well finished,
All suddenly mount
And scatter wheeling in great broken rings
Upon their clamorous wings.
I have looked upon those brilliant creatures,
And now my heart is sore.

All’s changed since I, hearing at twilight,
The first time on this shore,
The bell-beat of their wings above my head,
Trod with a lighter tread.

Unwearied still, lover by lover,
They paddle in the cold
Companionable streams or climb the air;
Their hearts have not grown old;
Passion or conquest, wander where they will,
Attend upon them still.

But now they drift on the still water,
Mysterious, beautiful;
Among what rushes will they build,
By what lake’s edge or pool
Delight men’s eyes when I awake some day
To find they have flown away?

William Butler Yeats

Tempestade – Henriqueta Lisboa

The freshness of the children rural in the rainy season.

   (Foto de Visoot Uthairam)

– Menino, vem para dentro,
olha a chuva lá na serra,
olha como vem o vento!

– Ah, como a chuva é bonita
e como o vento é valente!

– Não sejas doido, menino,
esse vento te carrega,
essa chuva te derrete!

– Eu não sou feito de açúcar
para derreter na chuva.
Eu tenho força nas pernas
para lutar contra o vento!

E enquanto o vento soprava
e enquanto a chuva caía,
que nem um pinto molhado,
teimoso como ele só:

– Gosto de chuva com vento,
gosto de vento com chuva!

Henriqueta Lisboa
in Lírica

menino-na-chuva

(Desenho para imprimir e colorir)

Desejos – Affonso Romano de Sant’Anna

vagalume

Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.

Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
– Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não: –Os preços do mercado estão um horror!

Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
-As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não: -Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.

Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações dos pássaros,
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.

Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.

Disto eu gostaria:
ser aquele pequeno inseto de olhos luminosos
que a mulher descobriu à noite no gramado
para quem o escuro é o melhor dos mundos.

Affonso Romano de Sant’Anna