Poesias Preferidas

Seleção de Poesias

Só é Meu o País que Trago Dentro da Alma – Marc Chagall

Acima da Cidade, Marc Chagall

(Acima da Cidade, Marc Chagall)

Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
Ele vê a minha tristeza
E a minha solidão.
Me acalanta.
Me cobre com uma pedra perfumada.

Dentro de mim florescem jardins.
Minhas flores são inventadas.
As ruas me pertencem
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
Instalam-se em minha alma.

Eis porque sorrio
Quando mal brilha o meu sol.
Ou choro
Como uma chuva leve na noite.

Houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
Houve tempo em que essas duas caras
Se cobriam de um orvalho amoroso.
Se fundiam como o perfume de uma rosa.

Hoje em dia me parece
Que até quando recuo
Estou avançando para uma alta portada
Atrás da qual se estendem muralhas
Onde dormem trovões extintos
E relâmpagos partidos.

Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.

Marc Chagall
Tradução de Manuel Bandeira

@-;–

Seul est mien le pays qui se trouve dans mon âme

Seul est mien
Le pays qui se trouve dans mon âme
J’y entre sans passeport
Comme chez moi
Il voit ma tristesse
Et ma solitude
Il m’endort
Et me couvre d’une pierre parfumée

En moi fleurissent des jardins
Mes fleurs sont inventées
Les rues m’appartiennent
Mais il n’y a pas de maisons
Elles ont été détruites dès l’enfance
Les habitants vagabondent dans l’air
A la recherche d’un logis
Ils habitent mon âme

Voilà pourquoi je souris
Quand mon soleil brille à peine
Ou je pleure
Comme une légère pluie dans la nuit

Il fut un temps où j’avais deux têtes
Il fut un temps où ces deux visages
Se couvraient d’une rosée amoureuse
Et fondaient comme le parfum d’une rose

A présent il me semble
Que même quand je recule
Je vais en avant
Vers un haut portail
Derrière lequel s’étendent des murs
Où dorment des tonnerres éteints
Et des éclairs brisés

Seul est mien
Le pays qui se trouve dans mon âme

Marc Chagall

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Versos Áureos – Gérard de Nerval

Afresco de Rafael Sanzio
Afresco de Rafael Sanzio, Escola de Atenas, Pitágoras e seus discípulos

Mas como! Tudo é sensível!
Pitágoras

Oh! homem pensador, julgas que é em ti somente
Que há a razão neste mundo onde em tudo arfa a vida?
Das forças que tu tens tua vontade é servida,
Mas dos conselhos teus o universo está ausente.

Respeita no animal um espírito agente:
Cada flor é uma alma à natureza erguida;
Um mistério de amor no metal tem guarida;
“Tudo é sensível!” Tudo em teu ser é potente.

Teme, no muro cego, um olho que te espia:
Pois mesmo na matéria um verbo está sepulto…
Não a faças servir a alguma função ímpia!

No ser obscuro às vezes mora um Deus oculto,
E, como olho a nascer por pálpebras coberto,
Nas pedras cresce um puro espírito desperto!

Tradução de Alexei Bueno

@-;–

Vers dorés

Eh quoi! tout est sensible.
– Pythagore

Homme! libre penseur! te crois-tu seul pensant
Dans ce monde où la vie éclate en toute chose?
Des forces que tu tiens ta liberté dispose,
Mais de tous tes conseils l’univers est absent.

Respecte dans la bête un esprit agissant:
Chaque fleur est une âme à la Nature éclose;
Un mystère d’amour dans le métal repose;
‘Tout est sensible!’ Et tout sur ton être est puissant.

Crains, dans le mur aveugle, un regard qui t’épie:
A la matière même un verbe est attaché…
Ne la fais pas servir à quelque usage impie!

Souvent dans l’être obscur habite un Dieu caché;
Et, comme un oeil naissant couvert par ses paupières,
Un pur esprit s’accroît sous l’écorce des pierres!

Gérard de Nerval

Bicentenário da Independência

Museu do Ipiranga – São Paulo – Foto de Edilson Dantas

Homenagem da Brasil Jazz Sinfônica e da TV Cultura ao bicentenário da Independência e aos trabalhadores das obras do Novo Museu do Ipiranga, restaurado e reinaugurado no dia 06 de setembro de 2022, após 9 anos fechado para visitação.

O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, também conhecido como Museu do Ipiranga ou Museu Paulista, é o museu público mais antigo da cidade de São Paulo, cuja sede é um monumento-edifício que faz parte do conjunto arquitetônico do Parque da Independência. Saiba mais: https://pt.wikipedia.org/wiki/Museu_do_Ipiranga

Hino da Independência com sons de ferramentas de operários da reforma do Museu do Ipiranga:

O Leão e o Rato – Millôr Fernandes

rato
Depois que o Leão desistiu de comer o rato porque o rato estava com espinho no pé (ou por desprezo, mas dá no mesmo), e, posteriormente, o rato, tendo encontrado o Leão envolvido numa rede de caça, roeu a rede e salvou o Leão (por gratidão ou mineirice, já que tinha que continuar a viver na mesma floresta), os dois, rato e Leão, passaram a andar sempre juntos, para estranheza dos outros habitantes da floresta (e das fábulas). E como os tempos são tão duros nas florestas quanto nas cidades, e como a poluição já devastou até mesmo as mais virgens das matas, eis que os dois se encontraram, em certo momento, sem ter comido durante vários dias. Disse o Leão:
– Nem um boi. Nem ao menos uma paca. Nem sequer uma lebre. Nem mesmo uma borboleta, como hors d’oeuvres de uma futura refeição.
Caiu estatelado no chão, irado ao mais fundo de sua alma leonina. E, do chão onde estava, lançou um olhar ao rato que o fez estremecer até a medula. “A amizade resistiria à fome?” – pensou ele. E, sem ousar responder à própria pergunta, esgueirou-se pé ante pé e sumiu da frente do amigo(?) faminto. Sumiu durante muito tempo. Quando voltou, o Leão passeava em círculos, deitando fogo pelas narinas, com ódio da humanidade. Mas o rato vinha com algo capaz de aplacar a fome do ditador das selvas: um enorme pedaço de queijo Gorgonzola que ninguém jamais poderá explicar onde conseguiu (fábulas!). O Leão, ao ver o queijo, embora não fosse um animal queijífero, lambeu os beiços e exclamou: – Maravilhoso, amigo, maravilhoso! Você é uma das sete maravilhas! Comamos, comamos! Mas, antes, vamos repartir o queijo com equanimidade. E como tenho receio de não resistir à minha natural prepotência, e sendo ao mesmo tempo um democrata nato e confirmado, deixo a você a tarefa ingrata de controlar o queijo com seus próprios e famélicos instintos. Vamos, divida você, meu irmão! A parte do rato para o rato; para o Leão, a parte do Leão.
A expressão ainda não existia naquela época, mas o rato percebeu que ela passaria a ter uma validade que os tempos não mais apagariam. E dividiu o queijo como o Leão queria: uma parte do rato, outra parte do Leão. Isto é: deu o queijo todo ao Leão e ficou apenas com os buracos. O Leão segurou com as patas o queijo todo e abocanhou um pedaço enorme, não sem antes elogiar o rato pelo seu alto critério:
– Muito bem, meu amigo. Isso é que se chama partilha, Isso é que se chama justiça.
Quando eu voltar ao poder, entregarei sempre a você a partilha dos bens que me couberem no litígio com os súditos. Você é um verdadeiro e egrégio meritíssimo! Não vai se arrepender!
E o ratinho, morto de fome, riu o riso menos amarelo que podia, e ainda lambeu o ar para o Leão pensar que lambia os buracos de queijo. E enquanto lambia o ar, gritava, no mais forte que podiam seus fracos pulmões:
– Longa vida ao Rei Leão! Longa vida ao Rei Leão!

MORAL: Os ratos são iguaizinhos aos homens

You Light Up My Life – Debby Boone

So many nights I’d sit by my window
Waiting for someone to sing me his song
So many dreams I kept deep inside me
Alone in the dark but now you’ve come along

And you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

Rollin’ at sea, adrift on the water
Could it be finally I’m turnin’ for home?
Finally a chance to say, “Hey, I love you”
Never again to be all alone

‘Cause you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

‘Cause you, you light up my life
You give me hope to carry on
You light up my days and fill my nights with song

It can’t be wrong
When it feels so right
‘Cause you
You light up my life

@-;–

Música composta por Joseph Brooks e originalmente gravada por Kasey Cisyk para a trilha sonora do filme de 1977 com o mesmo título. A versão cover mais conhecida da música é de Debby Boone, filha do cantor Pat Boone. Ela ocupou a posição número 1 na parada Billboard Hot 100 por dez semanas consecutivas em 1977 e liderou o Top 100 Singles Chart da revista Record World por um recorde de 13 semanas. Debby Boone também ganhou o Grammy Award de 1978 de Melhor Artista Revelação, com indicações adicionais ao Grammy de Melhor Performance Vocal Pop Feminina e Gravação do Ano.
LeAnn Rimes lançou sua própria versão em 1997.

Abaixo as duas interpretações:

Tradução:

Por muitas noites eu sento em minha janela
Esperando por alguém para cantar-me sua canção
Tantos sonhos eu guardei profundamente dentro de mim
Sozinha na escuridão, mas agora você chegou

Você ilumina minha vida
Você me dá esperança para continuar
Você ilumina meus dias e enche minhas noites com música

Rolando no mar, à deriva na água
Poderia estar finalmente voltando para casa?
Finalmente, uma chance de dizer “Ei, eu te amo”
Nunca mais ficar totalmente sozinha

Isto não pode estar errado
Quando parece tão certo
Porque Você Você ilumina minha vida

Os Cisnes Selvagens de Coole – William Butler Yeats

Hazy Flight Swans by Paul Makucha

Hazy Flight Swans by Paul Makucha

O arvoredo refulge no esplendor do outono,
Nas veredas do bosque está seco o terreno,
O lago no crepúsculo de outubro
Espelha um céu sereno;
Nas águas, entre as pedras transbordando,
Cinquenta e nove cisnes vão-se em bando.

Já venho aqui por dezenove outonos,
Pelo que pude contar;
Mal terminei, voou o grupo todo
Para no azul se espalhar,
Girando em voltas descontínuas e grandiosas
Com asas clamorosas.

Tenho observado essas brilhantes criaturas,
E sinto no peito uma chaga.
Tudo mudou desde que, ouvindo no crepúsculo
Esse badalo de asa nesta plaga
Pela primeira vez cortar o espaço,
Pisava mais leve o meu passo.

Incansáveis ainda, amante junto a amante,
Remam no frio da amável correnteza
Ou escalam os ares;
Nos corações o tempo não lhes pesa;
Emoção ou conquista, aonde quer que vão,
São sempre o seu quinhão.

Mas agora deslizam na água calma
Com sua beleza e mistério.
Em meio a que caniços construirão?
Junto a que lago serão nosso refrigério,
Quando eu, despertando num aurora,
Notar que se foram embora?

W. B. Yeats
Tradução de Paulo Vizioli

The Wild Swans at Coole

The trees are in their autumn beauty,
The woodland paths are dry,
Under the October twilight the water
Mirrors a still sky;
Upon the brimming water among the stones
Are nine-and-fifty swans.

The nineteenth autumn has come upon me
Since I first made my count;
I saw, before I had well finished,
All suddenly mount
And scatter wheeling in great broken rings
Upon their clamorous wings.
I have looked upon those brilliant creatures,
And now my heart is sore.

All’s changed since I, hearing at twilight,
The first time on this shore,
The bell-beat of their wings above my head,
Trod with a lighter tread.

Unwearied still, lover by lover,
They paddle in the cold
Companionable streams or climb the air;
Their hearts have not grown old;
Passion or conquest, wander where they will,
Attend upon them still.

But now they drift on the still water,
Mysterious, beautiful;
Among what rushes will they build,
By what lake’s edge or pool
Delight men’s eyes when I awake some day
To find they have flown away?

William Butler Yeats

Tempestade – Henriqueta Lisboa

The freshness of the children rural in the rainy season.

   (Foto de Visoot Uthairam)

– Menino, vem para dentro,
olha a chuva lá na serra,
olha como vem o vento!

– Ah, como a chuva é bonita
e como o vento é valente!

– Não sejas doido, menino,
esse vento te carrega,
essa chuva te derrete!

– Eu não sou feito de açúcar
para derreter na chuva.
Eu tenho força nas pernas
para lutar contra o vento!

E enquanto o vento soprava
e enquanto a chuva caía,
que nem um pinto molhado,
teimoso como ele só:

– Gosto de chuva com vento,
gosto de vento com chuva!

Henriqueta Lisboa
in Lírica

menino-na-chuva

(Desenho para imprimir e colorir)

Desejos – Affonso Romano de Sant’Anna

vagalume

Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.

Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
– Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não: –Os preços do mercado estão um horror!

Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
-As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não: -Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.

Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações dos pássaros,
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.

Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.

Disto eu gostaria:
ser aquele pequeno inseto de olhos luminosos
que a mulher descobriu à noite no gramado
para quem o escuro é o melhor dos mundos.

Affonso Romano de Sant’Anna

É Isto o Fim? – Sri Aurobindo

É isto o fim de tudo o que fomos,
E tudo o que fizemos ou sonhamos?
Um nome não lembrado e uma forma desfeita.
É isto o fim?

Um corpo apodrecendo sob a laje de pedra
Ou transformado em cinza pelo fogo.
Uma mente dissolvida, perdidos seus esquecidos pensamentos.
É isto o fim?

Nossas poucas horas que foram e não mais são,
Nossas paixões outrora tão elevadas,
Sendo zombadas pela terra tranquila e a calma luz do sol.
É isto o fim?

Nossos anseios de elevação humana em direção a Deus
Passando para outros corações
Iludidos enquanto o mundo sorri para a morte e o inferno.
É isto o fim?

Caída está a harpa, ela jaz despedaçada e muda;
Está morto o invisível tocador?

Por que a árvore tombou onde o pássaro cantava,
Deve o canto também emudecer?

Aquele que na mente planejou e desejou e pensou,
Trabalhou para reformar o destino da Terra,
Aquele que no coração amou e suspirou e esperou,
Também chega ele ao fim?

O imortal no mortal é seu Nome;
Aqui uma divindade artista
Em formas mais divinas, sempre se remodela,
Sem vontade de cessar.

Até que tudo seja feito, para o que as estrelas foram criadas,
Até que o coração descubra Deus
E a alma se conheça. E mesmo então
Não há nenhum fim.”

Do livro “Sabedoria de Sri Aurobindo”, Editora Shakti

Quando Deus Criou As Mães

(pintura de William-Adolphe Bouguereau)

Diz uma lenda que o dia em que o bom Deus criou as mães, um mensageiro se acercou Dele e Lhe perguntou o porquê de tanto zelo com aquela criação.

Em quê, afinal de contas, ela era tão especial?

O bondoso e paciente Pai de todos nós lhe explicou que aquela mulher teria o papel de mãe, pelo que merecia especial cuidado.

Ela deveria ter um beijo que tivesse o dom de curar qualquer coisa, desde leves machucados até namoro terminado.

Deveria ser dotada de mãos hábeis e ligeiras que agissem depressa preparando o lanche do filho, enquanto mexesse nas panelas para que o almoço não queimasse.

Que tivesse noções básicas de enfermagem e fosse catedrática em medicina da alma. Que aplicasse curativos nos ferimentos do corpo e colocasse bálsamo nas chagas da alma ferida e magoada.

Mãos que soubessem acarinhar, mas que fossem firmes para transmitir segurança ao filho de passos vacilantes. Mãos que soubessem transformar um pedaço de tecido, quase insignificante, numa roupa especial para a festinha da escola.

Por ser mãe deveria ser dotada de muitos pares de olhos. Um par para ver através de portas fechadas, para aqueles momentos em que se perguntasse o que é que as crianças estão tramando no quarto fechado.

Outro par para ver o que não deveria, mas precisa saber e, naturalmente, olhos normais para fitar com doçura uma criança em apuros e lhe dizer: Eu te compreendo. Não tenhas medo. Eu te amo, mesmo sem dizer nenhuma palavra.

O modelo de mãe deveria ser dotado ainda da capacidade de convencer uma criança de nove anos a tomar banho, uma de cinco a escovar os dentes e dormir, quando está na hora.

Um modelo delicado, com certeza, mas resistente, capaz de resistir ao vendaval da adversidade e proteger os filhos.

De superar a própria enfermidade em benefício dos seus amados e de alimentar uma família com o pão do amor.

Uma mulher com capacidade de pensar e fazer acordos com as mais diversas faixas de idade.

Uma mulher com capacidade de derramar lágrimas de saudade e de dor mas, ainda assim, insistir para que o filho parta em busca do que lhe constitua a felicidade ou signifique seu progresso maior.

Uma mulher com lágrimas especiais para os dias da alegria e os da tristeza, para as horas de desapontamento e de solidão.

Uma mulher de lábios ternos, que soubesse cantar canções de ninar para os bebês e tivesse sempre as palavras certas para o filho arrependido pelas tolices feitas.

Lábios que soubessem falar de Deus, do Universo e do amor. Que cantassem poemas de exaltação à beleza da paisagem e aos encantos da vida.

Uma mulher. Uma mãe.

@-;–

Fonte: Redação do Momento Espírita – Federação Espírita do Paraná

Agora Escrevo Pássaros – Julio Cortázar


I.
Agora escrevo pássaros.
Não os vejo chegar, não escolho,
de repente estão aí,
um bando de palavras
a pousar
uma
por
uma
nos arames da página,
entre chilreios e bicadas,
chuva de asas,
e eu sem pão para dar,
tão somente deixo-os vir.
Talvez seja isto uma árvore,
ou quem sabe, o amor.

@-;–

Ahora escribo pájaros.
No los veo venir, no los elijo,
de golpe están ahí, son esto,
una bandada de palabras
posándose
una
a
una
en los alambres de la página,
chirriando, picoteando, lluvia de alas
y yo sin pan que darles, solamente
dejándolos venir. Tal vez
sea eso un árbol
o tal vez
el amor.

Julio Cortázar

As Duas Árvores – William Butler Yeats

Foto de Haroldo Castro

Amada, olha em teu próprio coração,
A árvore sagrada lá está crescendo;
Da alegria os galhos sagrados partem
E carregam todas as flores trêmulas.
As mutáveis cores de seus frutos
Têm dotado as estrelas com luz alegre;
A segurança de sua raiz oculta
Plantou-se quieta na noite;
O movimento de sua copa cheia de folhas
Deu às ondas sua melodia
E casou meus lábios com a música,
Murmurando a ti uma canção de mago.
Lá, o amor percorre um círculo,
O círculo flamejante de nossos dias,
Girando, movendo-se, indo e vindo
Naqueles grandes e ignorantes caminhos de folhas;
Lembrando todo aquele cabelo agitado
E como as sandálias aladas se precipitam,
Teus olhos crescem cheios de ternura:
Amada, olha em teu próprio coração.

Não olhes mais no vidro amargo
Os demônios, com sutil astúcia,
O levantam à nossa frente quando passam,
Ou apenas olha rapidamente;
Pois, lá, cresce uma imagem fatal
Que a noite tempestuosa recebe,
Raízes meio recônditas na neve,
Ramos quebrados e folhas enegrecidas:
Todas as coisas se tornam esterilidade
No vidro sombrio que os demônios sustentam,
O vidro do enfado exterior,
Feito quando Deus dormia em tempos antigos.
Lá, através dos galhos quebrados, vão
Os corvos de pensamento incessante;
Voando, chorando, indo e vindo,
Garra cruel e garganta faminta,
Ou, ainda, eles se levantam e inalam o vento
E sacodem suas asas esfarrapadas; infelizmente!
Teus olhos ternos se tornam totalmente severos:
Não olhes mais no vidro amargo.

W. B. Yeats
Tradução de Edson Manzan Corsi

Poema musicado por Loreena McKennitt:

A Tempestade do Destino – Haruki Murakami

Shelter in the sand duststorm by Calvin Lai

“Abrigo na tempestade de areia”, Calvin Lai

Em certas ocasiões, o destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso sempre se altera. Você procura fugir dela e orienta seus passos noutra direção. Mas então, a tempestade também muda de direção e o segue. Você muda mais uma vez seu rumo. A tempestade faz o mesmo e o acompanha. As mudanças se repetem muitas e muitas vezes, como num balé macabro que se dança com a deusa da morte antes do alvorecer. Isso acontece porque a tempestade não é algo independente, vindo de um local distante. A tempestade é você mesmo. Algo que existe em seu íntimo. Portanto, o único recurso que lhe resta é se conformar e corajosamente pôr um pé dentro dela, tapar olhos e ouvidos com firmeza a fim de evitar que se encham de areia e atravessá-la passo a passo até emergir do outro lado. É muito provável que lá dentro não haja sol, nem lua, nem norte e, em determinados momentos, nem hora certa. O que há são apenas grãos de areia finos e brancos como osso moído dançando vertiginosamente no espaço. Imagine uma tempestade de areia desse jeito. E você vai atravessá-la, claro.
Falo da tempestade. Dessa tempestade violenta, metafísica e simbólica. Metafísica e simbólica, mas ao mesmo tempo cortante como mil navalhas, ela rasga a carne sem piedade. Muita gente verteu sangue dentro dela, e você mesmo verterá o seu. Sangue rubro e morno. E você vai apará-lo com suas próprias mãos em concha. O seu sangue e também o de outras pessoas.
E, quando a tempestade passar, na certa lhe será difícil entender como conseguiu atravessá-la e ainda sobreviver. Aliás, nem saberá com certeza se ela realmente passou. Uma coisa porém é certa:
Ao emergir do outro lado da tempestade, você já não será o mesmo de quando nela entrou.
Exatamente, esse é o sentido da tempestade de areia…

Haruki Murakami
do livro “Kafka à Beira-Mar”

Poesias em Retrospectiva – 2019

(Clique no poema para visualizar)

As Dez Poesias Brasileiras Mais Lidas no Ano:

Aprendimentos – Manoel de Barros
Céu – Manuel Bandeira
Versos Íntimos – Augusto dos Anjos
O Sobrevivente – Carlos Drummond de Andrade

Dá Meia-Noite – Sousândrade
Uma Canção – Mário Quintana
Lua-Luar – Cora Coralina
E Eis – Clarice Lispetor
Se se morre de amor! – Gonçalves Dias
Verdade – Carlos Drummond de Andrade

As Dez Poesias Estrangeiras Mais Lidas no Ano:

Caminhante – Antonio Machado
O Tigre – William Blake
O Coração Risonho – Charles Bukowski
Augúrios de Inocência – William Blake
Em Paz – Amado Nervo
Luar – Paul Verlaine
Soneto XXII – Francesco Petrarca
A Senhora de Shalott – Alfred Tennyson
Ela Caminha em Beleza – Lord Byron
A Estrada Não Trilhada – Robert Frost

As Cinco Crônicas Mais Lidas no Ano:

Não Deixe o Amor Passar – Carlos Drummond de Andrade
Viver Sem Tempos Mortos – Simone de Beauvoir
A Morte Devagar – Martha Medeiros

Ser Seu Amigo – Vinicius de Moraes
Carpe Diem – Sociedade dos Poetas Mortos

As Cinco Poesias Infantis Mais Lidas no Ano:

As Borboletas – Vinícius de Moraes
Diversidade – Tatiana Belinky
Leilão de Jardim – Cecília Meireles

Duas Dúzias de Coisinhas à Toa Que Deixam a Gente Feliz – Otávio Roth
O Menino Azul – Cecília Meireles

Os Cinco Vídeos Mais Populares no Ano:

Hino da Independência – Dom Pedro I
Carta à Amada Imortal – Ludwig van Beethoven
Ode à Alegria – Friedrich Schiller

O Guarani – A Prece – José de Alencar
Hino à Bandeira – Olavo Bilac

 

@-;–

“Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim.”
(Immanuel Kant)

Feliz 2020!

Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso – E. E. Cummings

Bunting pintado (Passerina ciris)

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas
aves que são os segredos da vida
o que quer que cantem é melhor do que conhecer
e se os homens não as ouvem estão velhos

que o meu pensamento caminhe pelo faminto
e destemido e sedento e servil
e mesmo que seja domingo que eu me engane
pois sempre que os homens têm razão não são jovens

e que eu não faça nada de útil
e te ame muito mais do que verdadeiramente
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse
chamar a si todo o céu com um sorriso

E. E. Cummings, in “livrodepoemas”
Tradução de Cecília Rego Pinheiro

@-;–

may my heart always be open to little
birds who are the secrets of living
whatever they sing is better than to know
and if men should not hear them men are old

may my mind stroll about hungry
and fearless and thirsty and supple
and even if it’s sunday may i be wrong
for whenever men are right they are not young

and may myself do nothing usefully
and love yourself so more than truly
there’s never been quite such a fool who could fail
pulling all the sky over him with one smile

E.E. Cummings

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